quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Santa Maria Manuela no festival de Vlissingen (Holanda)

A receptividade foi, como de costume, excelente.
O navio escalou hoje Brest (França) e já navega com destino a Leixões onde entrará no próximo dia 3 de Setembro.




Fotos: Equipa do SMM

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A Frota Branca (Portuguese White Fleet) - II

Mas o que a tornará definitivamente lendária, do meu ponto de vista, é o facto de, em 1950, o Embaixador Pedro Teotónio Pereira, personalidade política influente do Estado Novo, ter convencido o Almirante Henrique Tenreiro da conveniência de imortalizar a já conhecida “Frota Branca”, a última actividade económica no Atlântico que ainda fazia uso da navegação à vela em viagens de longo curso.
Outras conveniências políticas, que não vêm ao caso, completavam o rol de argumentos.
Obtida a autorização, é escolhido para executar tal tarefa, o Cmdt. Alan Villiers, oficial da marinha australiana, considerado o maior nome da época na literatura do mar e dos navios, e que se havia precisamente distinguido a imortalizar factos, frotas e actividades náuticas que corriam o risco de desaparecer como era, evidentemente, o caso da “Frota Branca”.
O navio escolhido foi o “Argus” o melhor e o maior navio desta frota construído na Holanda em 1939 para a “Parceria Geral de Pescarias”, sob projecto do genial arquitecto naval inglês Alexander Slater.
Na campanha de 1950, o “Argus” era comandado pelo Capitão ilhavense Adolfo Simões Paião Júnior.
Escrevia Villiers logo no início do seu livro:
“ Fiquei encantado à primeira vista. Era um belíssimo navio de aço com quatro mastros, maravilhosamente lançado, de mastreação alta, robusto de casco e de aparelho e com uma proa tão fina como a de um yacht de regatas oceânicas. Era pois aquela beleza de lugre, pintado de branco, um pescador de bacalhau? Até custava a acreditar!”
“Estava ali a última frota mercante à vela de toda a Europa. Eram estes os últimos puros e autênticos veleiros fazendo vida no alto-mar, aguentando o seu trabalho sem subsídios nem artifícios, e pescando à maneira tradicional, com linhas e anzóis, por meio daqueles barquitos de remos, chamados dóris.”
Eram trinta e dois veleiros, ainda assim, os que se preparavam para tomar parte naquela árdua empresa – trinta e um lugres, de panos latinos, todos de três ou quatro mastros, e um último e único lugre-patacho.”, contabilizava Villiers.
É a viagem número 20 do “Argus” com saída de Lisboa a 1 de Abril.
O livro “A campanha do Argus” traduzido em 12 línguas, sairá em 1951.
Villiers realiza também um pequeno filme, com difusão mundial, onde imortaliza a “White Fleet”, os seus navios, os seus capitães e tripulações, descritos como gente corajosa e trabalhadora.
Em Maio de 1952, a “National Geographic Magazine” publica um artigo resumo do livro intitulado “I sailed with Portuguese Captains courageous”.
Faz inúmeras fotografias, algumas lendárias, que organiza em álbuns para oferecer aos oficiais do navio e ao Museu Marítimo de Ílhavo.
O “Argus” em pesca, rodeado de doris, tem maquete honrosa no Museu de Greenwich.
Ficou assim, definitiva e mundialmente celebrizada, a “Frota Branca” que teria o seu fim devido à obsolescência dos navios, ao anacronismo dos métodos e à extrema dureza e perigosidade a que estavam sujeitas estas valentes tripulações!
“Perdem-se navios no gelo; incêndios; alquebram, soçobram, velhinhos, com volta de mar a partir no convés; fendem as rodas de proa e os cadastes de tanto mau tempo suportarem fundeados; abrem água, abandonam-se!”
Faço minhas as palavras de Francisco Marques e Ana Maria Lopes.
Em 1973, faz a última viagem aos Bancos, o último navio em actividade da frota, o “Creoula”.
Desaparecia assim, neste ano, a heróica “Portuguese White Fleet”, definitivamente famosa e celebrizada por Villiers!
Mas terá mesmo desaparecido?
Há quem diga que os navios têm alma e, alguns, de tão lindos e robustos, encontrarão sempre quem deles cuide!
Foi o caso de alguns destes navios que não desapareceram, encontraram quem deles cuide e nova razão de existir!
Resistiram, teimosamente, à idade e à extrema dureza da pesca do bacalhau com dóris e estão vivos, para novas aventuras mas, sobretudo, para não deixar esquecer a “Frota Branca” e para honrar todos aqueles que fizeram da Faina Maior por vocação ou por outra razão qualquer, o seu modo de vida!
Estou naturalmente a referir-me ao “Gazela I”, ao “Santa Maria Manuela”, ao “Creoula” e ao “almirante” “Argus”.
Quero reportar-me muito brevemente a cada um deles, mostrando, sobretudo, quais as suas novas valências.
O “Gazela I”, o nosso “gazelão” realizou a sua última viagem em 1969.
Em 1971 foi vendido para os Estados Unidos, é propriedade de uma fundação privada, “The Philadelphia Ship Preservation Guild”, sem fins lucrativos, que mantêm o navio em operação por recurso a tripulações voluntárias e donativos.
Participa em eventos e festivais náuticos na costa americana, faz treino de mar e iça a bandeira portuguesa quando navega.
A fundação tem a maior honra na história e prestígio do navio tendo como objectivo aprofundar o seu relacionamento com Portugal, nomeadamente com os outros navios sobreviventes da “Frota Branca” e programar acções conjuntas no futuro.
O “Santa Maria Manuela”, ou o que dele sobrou, foi adquirido pela Pascoal em 2007 e reconstruido como navio de treino de mar e prestação de serviços na área do turismo cultural de vocação marítima.
Entrou ao serviço em 10 de Maio de 2010, data do seu aniversário.
Arma normalmente no porto de Aveiro, já realizou uma extraordinária viagem a St. John’s sendo recebido com as maiores honras nesta que foi a sua segunda “casa” durante décadas.
A Câmara de St. John’s mandou executar um monumento em bronze, localizado no cais onde o navio atracou, que simboliza a grande amizade entre os povos dos dois países na base da pesca do bacalhau.
O navio evoca permanentemente e homenageia os tempos da “Frota Branca” nomeadamente através de filmes e exposições sobre a grande pesca exibindo, devidamente aparelhados, dois dóris no convés.
Tem participado em grandes eventos internacionais de Tall Ships sendo membro da “Sailing Training International”.
O “Creoula” como já foi referido, realizou a sua última viagem ao bacalhau em 1973.
Em 1978, foi adquirido pelo Governo português para, eventualmente, aí ser instalado um museu dedicado à pesca.
Porém, atendendo ao seu bom estado de conservação, foi decidido transformá-lo em navio de treino de mar, tendo sido aumentado ao efectivo da Marinha portuguesa em 1987.
De então para cá, tem efectuado dezenas de viagens de treino de mar, sobretudo para jovens, e representado Portugal em diversos eventos em território nacional e no estrangeiro.
Finalmente, o “Argus”.
Em 1970 realiza a última das 31 campanhas que efectuou ao bacalhau.
Foram seus capitães, todos ilhavenses:

Aníbal Pereira Ramalheira (1939)
      Adolfo Simões Paião Júnior (39, 40, 44 e 57)
      João Pereira Ramalheira (41 a 43)
Francisco da Silva Paião (58 a 68)
      José Luís Oliveira (69 e 70)

Em 1974 é vendido a uma empresa canadiana com um nome curioso: “White Fleet Cruise Ships” que o revenderá a uma empresa americana, com sede em Miami, “Windjammer Barefoot Cruises”, detida por um comandante da marinha americana, Mike Boorke.
É transformado em navio de passageiros com a actual configuração e opera até 2006 no Caribe sob o nome de “Polynesia II”, ano em que é abandonado em Aruba.
Em 22 de Fevereiro de 2009, a Pascoal compra o navio em leilão.
O “Polynesia II”, o nosso “Argus” regressa a mãos portuguesas!
Em 16 de Março inicia regresso a Portugal, a reboque.
Em 9 de Abril, o “Argus” atraca no cais da Pascoal na Gafanha da Nazaré.
Em 2012, o “Argus” junta-se aos irmãos “Santa Maria Manuela” e “Creoula” no terminal norte do porto de Aveiro no âmbito do “Ílhavo Sea Festival” no que será um acontecimento histórico da maior relevância e significado.
O “Argus” continua atracado no Cais dos Bacalhoeiros, com uma lágrima ao canto do olho, aguardando a sua hora!
A “Frota Branca” acabou?
Não, não acabou, nem acabará!
Restam quatro excepcionais navios, que cumprem dignamente a tarefa de treinar gente para o mar, homenageando simultaneamente todos aqueles que honrosamente tiveram como modo de vida a duríssima pesca do bacalhau à linha em dóris de um só homem nos mares da Terra Nova e Groenlândia.
Cumprimos, assim, uma difícil tarefa de mantermos viva e operacional uma frota de navios históricos e, adicionalmente, perpetuarmos um património sociológico relacionado com a pesca do bacalhau em pesqueiros longínquos, que já não é só pertença de Portugal
Numa altura em que o regresso de Portugal ao mar entrou no vocabulário do politicamente correcto, ajudar a manter esta frota de navios a operar é um imperativo a que não pretendo furtar-me.
Ao mar regressa-se de navio quer se queira quer não!
Portugal voltará a ser novamente uma grande nação quando definitivamente perceber que o mar, o mar português, será um dos pilares do nosso desenvolvimento futuro.
Honrando o passado, percebemos melhor como poderemos gerir o presente e projectar o futuro.

A “Frota Branca”, ou o que dela resta, aqui está para o demonstrar!


O Santa Maria Manuela durante a 2ª Guerra Mundial (1944?)

Texto de Anibal M. Paião

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A Frota Branca (Portuguese White Fleet) - I

Queremos propor-vos uma viagem marítima pela frota bacalhoeira portuguesa durante a 2ª Guerra Mundial, que tipo de navios a compunha, como surgiu este conceito de “Frota Branca”, o porquê da referência cromática, porque ficou célebre, como terá acabado se acabou e o que devemos fazer com o que dela terá restado material e sociologicamente.
Em 1939, Portugal dispunha de uma frota bacalhoeira fundamentalmente composta por umas dezenas de navios de madeira, à vela, de três e quatro mastros, lugres e lugres patachos, alguns com motor auxiliar, instalados a partir de 1932.
Os navios de três mastros eram na sua maioria antigos e muitos foram adquiridos no estrangeiro.
A designação lugre refere-se a navios com pelo menos três mastros envergando em todos velas latinas.
Os patachos tinham dois mastaréus no mastro de vante (traquete) envergando pano redondo.
Normalmente os navios usavam ainda estênsulas ou seja velas içadas entre mastaréus.
Tinham convés corrido e arrumado por forma a alinhar as pilhas dos doris, nos dois bordos, proa e popa normalmente de formas muito elegantes.
Pareciam de facto grandes iates. 
Em 1935, entra ao serviço o primeiro lugre de ferro, o “José Alberto” construído em 1923 na Dinamarca.
Em 1937, são lançados à água os lugres de 4 mastros “Santa Maria Manuela” e “Creoula”; o “Argus” chega em 1939, navio almirante da frota de navios de vela.
Ainda em 39 é construído o primeiro navio motor de ferro, o “São Ruy”, para a Empresa de Pesca de Viana.
Os primeiros arrastões laterais para a SNAB (Sociedade Nacional dos Armadores do Bacalhau) e para a Empresa de Pesca de Aveiro começaram a entrar ao serviço a partir de 1936 e completavam a frota.
Para o que nos interessa, e esta é a minha primeira chamada de atenção, apenas nos ocuparemos dos navios de vela, lugres e lugres patachos, cerca de quarenta de madeira e quatro de ferro, utilizando como sistema de pesca do bacalhau, a linha com anzóis em doris de um só homem ou de um homem só se preferirem.
Esta precisão é muito importante porque tradicionalmente o conceito Frota Branca tem sido utilizado de forma generalizada, onde cabem todos os navios cujo casco foi pintado de branco, como o nome indica, sejam eles lugres ou navios motores, de madeira ou ferro.
Ora no meu entendimento da questão este termo está datado e apenas se aplica aos navios à vela de madeira ou ferro.
Vista sumariamente a frota e delimitado o campo do conceito, vejamos então qual a sua origem.
A neutralidade portuguesa durante a 2ª Guerra Mundial, sucesso diplomático para o regime, destino natural para uns uma vez que não valíamos o que custávamos, calculismo geométrico ditado pelas negociatas do volfrâmio e dos diversos negócios de guerra para outros, esteve na base do surgimento do conceito de Frota Branca.
Portugal perde no Atlântico, durante o período da guerra, 18 mil toneladas da frota marítima, cerca de 7% da arqueação bruta total, devido a ataques de submarinos, supostamente alemães, os tristemente célebres U-boats.
Os navios afundados são, na sua esmagadora maioria, transportes da marinha mercante, eventualmente vítimas da pressão alemã para aumentar os fornecimentos de volfrâmio português na exacta medida das crescentes necessidades a que obrigava a evolução do curso da guerra.
A frota de navios de pesca do bacalhau, promovido a partir de 1936 a questão de regime quanto mais não fosse por contribuir para suprir necessidades básicas de alimentação à população portuguesa, é a única que continua a atravessar o Atlântico para manter o exercício da pesca nos bancos da Terra Nova e Groelândia.
Consciente da extrema perigosidade das travessias atlânticas e fazendo uso da neutralidade portuguesa como escudo supostamente protector, o Estado Maior Naval ordena, por razões de segurança, ou seja, para permitir identificação fácil aos periscópios dos submarinos, que os navios alterem a sua pintura exterior, isto é, casco e superestruturas a branco, com a bandeira nas amuras, seguida do nome do navio e país e mastros a ocre.
Finda a campanha do bacalhau, os navios deveriam ser pintados com a cor original usada pelos respectivos armadores.
De facto, até ao início da guerra cada armador pintava o navio com as cores que bem entendia.
O “Santa Maria Manuela” por exemplo era cinzento, o “Creoula” e o “Argus” eram “sangue de boi” como se dizia.
Apesar desta determinação do Estado Maior Naval existiu, em minha opinião, até 1942, uma certa anarquia na execução destas ordens, facto que poderá ser comprovado pelos registos fotográficos da época onde se observam alguns navios com as cores originais no casco e, nome e país pintados a branco.
Nesse ano, porém, os submarinos, supostamente alemães, chegaram à frota bacalhoeira: são torpedeados e afundados os lugres “Delães”, sem vítimas, e “Maria da Glória” com 34 homens desaparecidos.
Este facto terá servido como uma espécie de acelerador da uniformização cromática da frota, extensível em 1943 aos primeiros navios-motores de madeira da frota, o “Byssaia Barreto” e o “Comandante Tenreiro” por determinação expressa do Estado Maior Naval em Março desse ano, coincidindo com a cedência dos Açores aos Aliados numa altura em que, na opinião de muitos, a Alemanha já perdera a guerra marítima no Atlântico.
Nasceu assim, o conceito de Frota Branca devido à nova pintura dos cascos e superestruturas dos navios e, em minha opinião, também ao facto da esmagadora maioria dos navios usarem velas que, como é sabido, eram confeccionadas em lona branca.
Será pois, fundamentalmente por esta razão, de valorização da mancha branca casco/velas, que excluo do conceito de “Frota Branca” os navios motores e o restrinjo aos navios à vela.
Os navios, atravessavam o Atlântico em comboios, normalmente sob escolta do “Gil Eanes”, então navio militar, agrupados consoante tivessem ou não motorização.
Esta circunstância, e no pós guerra, a evidente obsolescência e dureza deste tipo de pesca que lhe conferia um certo carácter de excepcionalidade, contribuíram para generalizar o termo uma vez que os armadores, por razões várias, terão decidido manter os navios de pesca à linha, à vela ou não, brancos, e os arrastões normalmente a negro.
Esta frota ganhou, assim, uma grande notoriedade pela sua singularidade, passando a ser alvo de estudo e observação por estudiosos e fotógrafos, particularmente quando se reunia em St. John’s para reabastecimento ou para fugir aos ciclones, frequentes nos grandes bancos da Terra Nova. (continua)


O Santa Maria Manuela fotografado do "Creoula" (1944) pelo Capitão Francisco da Silva Paião (Almeida)

Texto de Anibal M. Paião