Mas
o que a tornará definitivamente lendária, do meu ponto de vista, é o facto de,
em 1950, o Embaixador Pedro Teotónio Pereira, personalidade política influente
do Estado Novo, ter convencido o Almirante Henrique Tenreiro da conveniência de
imortalizar a já conhecida “Frota Branca”, a última actividade económica no
Atlântico que ainda fazia uso da navegação à vela em viagens de longo curso.
Outras
conveniências políticas, que não vêm ao caso, completavam o rol de argumentos.
Obtida
a autorização, é escolhido para executar tal tarefa, o Cmdt. Alan Villiers,
oficial da marinha australiana, considerado o maior nome da época na literatura
do mar e dos navios, e que se havia precisamente distinguido a imortalizar
factos, frotas e actividades náuticas que corriam o risco de desaparecer como
era, evidentemente, o caso da “Frota Branca”.
O
navio escolhido foi o “Argus” o melhor e o maior navio desta frota construído
na Holanda em 1939 para a “Parceria Geral de Pescarias”, sob projecto do genial
arquitecto naval inglês Alexander Slater.
Na
campanha de 1950, o “Argus” era comandado pelo Capitão ilhavense Adolfo Simões
Paião Júnior.
Escrevia
Villiers logo no início do seu livro:
“
Fiquei encantado à primeira vista. Era um belíssimo navio de aço com quatro
mastros, maravilhosamente lançado, de mastreação alta, robusto de casco e de
aparelho e com uma proa tão fina como a de um yacht de regatas oceânicas. Era
pois aquela beleza de lugre, pintado de branco, um pescador de bacalhau? Até
custava a acreditar!”
“Estava
ali a última frota mercante à vela de toda a Europa. Eram estes os últimos
puros e autênticos veleiros fazendo vida no alto-mar, aguentando o seu trabalho
sem subsídios nem artifícios, e pescando à maneira tradicional, com linhas e
anzóis, por meio daqueles barquitos de remos, chamados dóris.”
Eram
trinta e dois veleiros, ainda assim, os que se preparavam para tomar parte
naquela árdua empresa – trinta e um lugres, de panos latinos, todos de três ou
quatro mastros, e um último e único lugre-patacho.”, contabilizava Villiers.
É
a viagem número 20 do “Argus” com saída de Lisboa a 1 de Abril.
O
livro “A campanha do Argus” traduzido em 12 línguas, sairá em 1951.
Villiers
realiza também um pequeno filme, com difusão mundial, onde imortaliza a “White
Fleet”, os seus navios, os seus capitães e tripulações, descritos como gente
corajosa e trabalhadora.
Em
Maio de 1952, a “National Geographic Magazine” publica um artigo resumo do
livro intitulado “I sailed with Portuguese Captains courageous”.
Faz
inúmeras fotografias, algumas lendárias, que organiza em álbuns para oferecer
aos oficiais do navio e ao Museu Marítimo de Ílhavo.
O
“Argus” em pesca, rodeado de doris, tem maquete honrosa no Museu de Greenwich.
Ficou
assim, definitiva e mundialmente celebrizada, a “Frota Branca” que teria o seu
fim devido à obsolescência dos navios, ao anacronismo dos métodos e à extrema
dureza e perigosidade a que estavam sujeitas estas valentes tripulações!
“Perdem-se
navios no gelo; incêndios; alquebram, soçobram, velhinhos, com volta de mar a
partir no convés; fendem as rodas de proa e os cadastes de tanto mau tempo suportarem
fundeados; abrem água, abandonam-se!”
Faço
minhas as palavras de Francisco Marques e Ana Maria Lopes.
Em
1973, faz a última viagem aos Bancos, o último navio em actividade da frota, o
“Creoula”.
Desaparecia
assim, neste ano, a heróica “Portuguese White Fleet”, definitivamente famosa e
celebrizada por Villiers!
Mas
terá mesmo desaparecido?
Há
quem diga que os navios têm alma e, alguns, de tão lindos e robustos,
encontrarão sempre quem deles cuide!
Foi
o caso de alguns destes navios que não desapareceram, encontraram quem deles
cuide e nova razão de existir!
Resistiram,
teimosamente, à idade e à extrema dureza da pesca do bacalhau com dóris e estão
vivos, para novas aventuras mas, sobretudo, para não deixar esquecer a “Frota
Branca” e para honrar todos aqueles que fizeram da Faina Maior por vocação ou
por outra razão qualquer, o seu modo de vida!
Estou
naturalmente a referir-me ao “Gazela I”, ao “Santa Maria Manuela”, ao “Creoula”
e ao “almirante” “Argus”.
Quero
reportar-me muito brevemente a cada um deles, mostrando, sobretudo, quais as
suas novas valências.
O
“Gazela I”, o nosso “gazelão” realizou a sua última viagem em 1969.
Em
1971 foi vendido para os Estados Unidos, é propriedade de uma fundação privada,
“The Philadelphia Ship Preservation Guild”, sem fins lucrativos, que mantêm o
navio em operação por recurso a tripulações voluntárias e donativos.
Participa
em eventos e festivais náuticos na costa americana, faz treino de mar e iça a
bandeira portuguesa quando navega.
A
fundação tem a maior honra na história e prestígio do navio tendo como
objectivo aprofundar o seu relacionamento com Portugal, nomeadamente com os
outros navios sobreviventes da “Frota Branca” e programar acções conjuntas no
futuro.
O
“Santa Maria Manuela”, ou o que dele sobrou, foi adquirido pela Pascoal em 2007
e reconstruido como navio de treino de mar e prestação de serviços na área do
turismo cultural de vocação marítima.
Entrou
ao serviço em 10 de Maio de 2010, data do seu aniversário.
Arma
normalmente no porto de Aveiro, já realizou uma extraordinária viagem a St.
John’s sendo recebido com as maiores honras nesta que foi a sua segunda “casa”
durante décadas.
A
Câmara de St. John’s mandou executar um monumento em bronze, localizado no cais
onde o navio atracou, que simboliza a grande amizade entre os povos dos dois
países na base da pesca do bacalhau.
O
navio evoca permanentemente e homenageia os tempos da “Frota Branca”
nomeadamente através de filmes e exposições sobre a grande pesca exibindo,
devidamente aparelhados, dois dóris no convés.
Tem
participado em grandes eventos internacionais de Tall Ships sendo membro da
“Sailing Training International”.
O
“Creoula” como já foi referido, realizou a sua última viagem ao bacalhau em
1973.
Em
1978, foi adquirido pelo Governo português para, eventualmente, aí ser
instalado um museu dedicado à pesca.
Porém,
atendendo ao seu bom estado de conservação, foi decidido transformá-lo em navio
de treino de mar, tendo sido aumentado ao efectivo da Marinha portuguesa em
1987.
De
então para cá, tem efectuado dezenas de viagens de treino de mar, sobretudo
para jovens, e representado Portugal em diversos eventos em território nacional
e no estrangeiro.
Finalmente,
o “Argus”.
Em
1970 realiza a última das 31 campanhas que efectuou ao bacalhau.
Foram
seus capitães, todos ilhavenses:
Aníbal Pereira Ramalheira (1939)
Adolfo Simões
Paião Júnior (39, 40, 44 e 57)
João Pereira
Ramalheira (41 a 43)
Francisco da Silva Paião (58 a 68)
Francisco da Silva Paião (58 a 68)
José Luís
Oliveira (69 e 70)
Em
1974 é vendido a uma empresa canadiana com um nome curioso: “White Fleet Cruise
Ships” que o revenderá a uma empresa americana, com sede em Miami, “Windjammer
Barefoot Cruises”, detida por um comandante da marinha americana, Mike Boorke.
É
transformado em navio de passageiros com a actual configuração e opera até 2006
no Caribe sob o nome de “Polynesia II”, ano em que é abandonado em Aruba.
Em
22 de Fevereiro de 2009, a Pascoal compra o navio em leilão.
O
“Polynesia II”, o nosso “Argus” regressa a mãos portuguesas!
Em
16 de Março inicia regresso a Portugal, a reboque.
Em
9 de Abril, o “Argus” atraca no cais da Pascoal na Gafanha da Nazaré.
Em
2012, o “Argus” junta-se aos irmãos “Santa Maria Manuela” e “Creoula” no
terminal norte do porto de Aveiro no âmbito do “Ílhavo Sea Festival” no que será
um acontecimento histórico da maior relevância e significado.
O
“Argus” continua atracado no Cais dos Bacalhoeiros, com uma lágrima ao canto do
olho, aguardando a sua hora!
A
“Frota Branca” acabou?
Não,
não acabou, nem acabará!
Restam
quatro excepcionais navios, que cumprem dignamente a tarefa de treinar gente
para o mar, homenageando simultaneamente todos aqueles que honrosamente tiveram
como modo de vida a duríssima pesca do bacalhau à linha em dóris de um só homem
nos mares da Terra Nova e Groenlândia.
Cumprimos,
assim, uma difícil tarefa de mantermos viva e
operacional uma frota de navios históricos e, adicionalmente, perpetuarmos um
património sociológico relacionado com a pesca do bacalhau em pesqueiros
longínquos, que já não é só pertença de Portugal
Numa
altura em que o regresso de Portugal ao mar entrou no vocabulário do
politicamente correcto, ajudar a manter esta frota de navios a operar é um
imperativo a que não pretendo furtar-me.
Ao
mar regressa-se de navio quer se queira quer não!
Portugal
voltará a ser novamente uma grande nação quando definitivamente perceber que o
mar, o mar português, será um dos pilares do nosso desenvolvimento futuro.
Honrando
o passado, percebemos melhor como poderemos gerir o presente e projectar o
futuro.
A
“Frota Branca”, ou o que dela resta, aqui está para o demonstrar!
O Santa Maria Manuela durante a 2ª Guerra Mundial (1944?)
Texto de Anibal M. Paião
2 comentários:
Bom dia,
gostei muito de ler estes dois artigos sobre a frota branca.
Obrigada por partilhar o seu conhecimento;)
É sempre emocionante ver uma tradição que ainda vive.
Qualquer um destes navios tem história suficiente para estremecer de emoção quem neles entra e navega.
Existem ainda os homens que neles navegaram e pescaram nos mares da Terra Nova: os Capitães Ilhavenses; os Pescadores dos Dóris...
No Santa Maria Manuela basta reparar bem no olhar do Comandante São Marcos, para se saber o que é um Capitão Ilhavense; basta ouvir o Mestre Fernando, para nos sentirmos a navegar no meio do nevoeiro gelado, comandando um dóri cheio de bacalhau, no mar dos grandes bancos.
Nestes navios vê-se o mar mais de perto; fica-se a conhecê-lo muito melhor. E é impossível que quem neles navegue volte a olhar para o mar com o mesmo olhar.
A Pascoal faz também parte desta história e sabe o que anda a fazer.
«A “Frota Branca” acabou?
Não, não acabou, nem acabará!»
Força Portugueses da terra do mar.
Os navios da Esquadra Branca não acabarão.
Da minha parte darei à bomba o mais que puder, a ver se esta selha (que é o nosso país) não se afunda. E ajudarei sempre que puder.
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