Queremos
propor-vos uma viagem marítima pela frota bacalhoeira
portuguesa durante a 2ª Guerra Mundial, que tipo de navios a compunha, como
surgiu este conceito de “Frota Branca”, o porquê da referência cromática,
porque ficou célebre, como terá acabado se acabou e o que devemos fazer com o
que dela terá restado material e sociologicamente.
Em
1939, Portugal dispunha de uma frota bacalhoeira fundamentalmente composta por
umas dezenas de navios de madeira, à vela, de três e quatro mastros, lugres e
lugres patachos, alguns com motor auxiliar, instalados a partir de 1932.
Os
navios de três mastros eram na sua maioria antigos e muitos foram adquiridos no
estrangeiro.
A
designação lugre refere-se a navios com pelo menos três mastros envergando em todos
velas latinas.
Os
patachos tinham dois mastaréus no mastro de vante (traquete) envergando pano
redondo.
Normalmente
os navios usavam ainda estênsulas ou seja velas içadas entre mastaréus.
Tinham
convés corrido e arrumado por forma a alinhar as pilhas dos doris, nos dois
bordos, proa e popa normalmente de formas muito elegantes.
Pareciam
de facto grandes iates.
Em
1935, entra ao serviço o primeiro lugre de ferro, o “José Alberto” construído
em 1923 na Dinamarca.
Em
1937, são lançados à água os lugres de 4 mastros “Santa Maria Manuela” e
“Creoula”; o “Argus” chega em 1939, navio almirante da frota de navios de vela.
Ainda
em 39 é construído o primeiro navio motor de ferro, o “São Ruy”, para a Empresa
de Pesca de Viana.
Os
primeiros arrastões laterais para a SNAB (Sociedade Nacional dos Armadores do
Bacalhau) e para a Empresa de Pesca de Aveiro começaram a entrar ao serviço a
partir de 1936 e completavam a frota.
Para
o que nos interessa, e esta é a minha primeira chamada de atenção, apenas nos
ocuparemos dos navios de vela, lugres e lugres patachos, cerca de quarenta de
madeira e quatro de ferro, utilizando como sistema de pesca do bacalhau, a
linha com anzóis em doris de um só homem ou de um homem só se preferirem.
Esta
precisão é muito importante porque tradicionalmente o conceito Frota Branca tem
sido utilizado de forma generalizada, onde cabem todos os navios cujo casco foi
pintado de branco, como o nome indica, sejam eles lugres ou navios motores, de
madeira ou ferro.
Ora
no meu entendimento da questão este termo está datado e apenas se aplica aos
navios à vela de madeira ou ferro.
Vista
sumariamente a frota e delimitado o campo do conceito, vejamos então qual a sua
origem.
A
neutralidade portuguesa durante a 2ª Guerra Mundial, sucesso diplomático para o
regime, destino natural para uns uma vez que não valíamos o que custávamos,
calculismo geométrico ditado pelas negociatas do volfrâmio e dos diversos negócios
de guerra para outros, esteve na base do surgimento do conceito de Frota Branca.
Portugal
perde no Atlântico, durante o período da guerra, 18 mil toneladas da frota
marítima, cerca de 7% da arqueação bruta total, devido a ataques de submarinos,
supostamente alemães, os tristemente célebres U-boats.
Os
navios afundados são, na sua esmagadora maioria, transportes da marinha
mercante, eventualmente vítimas da pressão alemã para aumentar os fornecimentos
de volfrâmio português na exacta medida das crescentes necessidades a que
obrigava a evolução do curso da guerra.
A
frota de navios de pesca do bacalhau, promovido a partir de 1936 a questão de
regime quanto mais não fosse por contribuir para suprir necessidades básicas de
alimentação à população portuguesa, é a única que continua a atravessar o
Atlântico para manter o exercício da pesca nos bancos da Terra Nova e
Groelândia.
Consciente
da extrema perigosidade das travessias atlânticas e fazendo uso da neutralidade
portuguesa como escudo supostamente protector, o Estado Maior Naval ordena, por
razões de segurança, ou seja, para permitir identificação fácil aos periscópios
dos submarinos, que os navios alterem a sua pintura exterior, isto é, casco e
superestruturas a branco, com a bandeira nas amuras, seguida do nome do navio e
país e mastros a ocre.
Finda
a campanha do bacalhau, os navios deveriam ser pintados com a cor original
usada pelos respectivos armadores.
De
facto, até ao início da guerra cada armador pintava o navio com as cores que
bem entendia.
O
“Santa Maria Manuela” por exemplo era cinzento, o “Creoula” e o “Argus” eram
“sangue de boi” como se dizia.
Apesar
desta determinação do Estado Maior Naval existiu, em minha opinião, até 1942,
uma certa anarquia na execução destas ordens, facto que poderá ser comprovado
pelos registos fotográficos da época onde se observam alguns navios com as
cores originais no casco e, nome e país pintados a branco.
Nesse
ano, porém, os submarinos, supostamente alemães, chegaram à frota bacalhoeira:
são torpedeados e afundados os lugres “Delães”, sem vítimas, e “Maria da
Glória” com 34 homens desaparecidos.
Este
facto terá servido como uma espécie de acelerador da uniformização cromática da
frota, extensível em 1943 aos primeiros navios-motores de madeira da frota, o
“Byssaia Barreto” e o “Comandante Tenreiro” por determinação expressa do Estado
Maior Naval em Março desse ano, coincidindo com a cedência dos Açores aos
Aliados numa altura em que, na opinião de muitos, a Alemanha já perdera a
guerra marítima no Atlântico.
Nasceu
assim, o conceito de Frota Branca devido à nova pintura dos cascos e
superestruturas dos navios e, em minha opinião, também ao facto da esmagadora
maioria dos navios usarem velas que, como é sabido, eram confeccionadas em lona
branca.
Será
pois, fundamentalmente por esta razão, de valorização da mancha branca
casco/velas, que excluo do conceito de “Frota Branca” os navios motores e o
restrinjo aos navios à vela.
Os
navios, atravessavam o Atlântico em comboios, normalmente sob escolta do “Gil
Eanes”, então navio militar, agrupados consoante tivessem ou não motorização.
Esta
circunstância, e no pós guerra, a evidente obsolescência e dureza deste tipo de
pesca que lhe conferia um certo carácter de excepcionalidade, contribuíram para
generalizar o termo uma vez que os armadores, por razões várias, terão decidido
manter os navios de pesca à linha, à vela ou não, brancos, e os arrastões
normalmente a negro.
Esta
frota ganhou, assim, uma grande notoriedade pela sua singularidade, passando a
ser alvo de estudo e observação por estudiosos e fotógrafos, particularmente
quando se reunia em St. John’s para reabastecimento ou para fugir aos ciclones,
frequentes nos grandes bancos da Terra Nova. (continua)
O Santa Maria Manuela fotografado do "Creoula" (1944) pelo Capitão Francisco da Silva Paião (Almeida)
Texto de Anibal M. Paião
2 comentários:
Os navios motores «São Ruy» e «Santa Maria Madalena» também «vestiram» de branco durante a 2.ª Grande Guerra Mundial e também foram «chefes de combóio».
Os navios motores «São Ruy» e «Santa Maria Madalena» também «vestiram» de branco durante a 2.ª Grande Guerra Mundial e foram em diversas campanhas, na ida e no regresso, «chefes de comboio».
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